quinta-feira, 27 de maio de 2010
sábado, 14 de novembro de 2009
ESPELHO
E eis que do tronco
rompem-se os brotos:
um verde mais novo da relva
que o coração acalma:
o tronco parecia já morto,
vergado no barranco.
E tudo me sabe a milagre;
e eu sou aquela água de nuvens
que hoje reflecte nas poças
mais azul seu pedaço de céu,
aquele verde que se racha da casca
e que tampouco ontem à noite existia.
Salvatore Quasimodo
sábado, 7 de novembro de 2009
DOIS POEMAS DE SÃO JOÃO DA CRUZ
TODA CIÊNCIA TRANSCENDENDO
Entrei-me adonde não soube
e quedei-me não sabendo,
toda ciência transcendendo.
Eu não sabia onde entrava,
porém, quando ali me vi,
sem saber adonde entrava,
grandes coisas entendi:
não direi o que senti,
que mo quedei não sabendo,
toda ciência transcendendo.
De paz e de piedade
era a ciência perfeita,
em profunda soledade,
entendida a via recta:
era coisa tão secreta,
a fala subvertendo,
toda ciência transcendendo.
Estava tão embebido,
tão absorto e tão alheado,
que se quedou meu sentido
de todo o sentir privado:
e o espírito dotado
de entender não entendendo,
toda ciência transcendendo.
Que ali chega verdadeiro
de si mesmo desfalece:
quanto sabia primeiro
muito baixo lhe parece:
sua ciência tanto crece
que se queda não sabendo
toda ciência transcendendo
.
Quanto mais alto se ascende,
tanto menos entendia
que negra nuvem se acende
que as trevas esclarecia:
por isso quem a sabia
queda sempre não sabendo
toda ciência transcendendo.
Este saber não sabendo
é de tão alto poder,
que os mais sábios revolvendo
jamais o podem vencer:
pois não chega o seu saber
a no' entender entendendo,
toda ciência transcendendo.
E é de tão alta excelência
este mais sumo saber
que faculdade ou ciência
não há para o compreender:
quem a si souber vencer
com um não saber sabendo,
irá sempre transcendendo.
E, se quiserdes ouvir,
consiste a suma ciência
em num subido sentir
da só divinal Essência:
obra é de sua clemência
o quedar não entendendo,
toda ciência transcendendo.
NOITE ESCURA
Em uma Noite escura,
com ânsias em amores inflamada,
ó ditosa ventura!,
saí sem ser notada.
estando minha casa sossegada.
A ocultas, e segura,
pela secreta escada, disfarçada,
ó ditosa ventura!,
a ocultas, embuçada,
estando minha casa sossegada.
Em uma Noite ditosa,
tão em segredo que ninguém me via,
nem eu nenhuma cousa,
sem outra luz e guia
senão aquela que em meu seio ardia.
Só ela me guiava,
mais certa do que a luz do meio-dia,
adonde me esperava
quem eu mui bem sabia,
em parte onde ninguém aparecia.
Ó Noite que guiaste!,
ó Noite amável mais do que a alvorada!,
ó Noite que juntaste
Amado com amada,
amada nesse Amado transformada!
No meu peito florido,
que inteiro para ele se guardava,
quedou adormecido
do prazer que eu lhe dava,
e a brisa no alto cedro suspirava.
Da torre a brisa amena,
quando eu a seus cabelos revolvia,
com fina mão serena
a meu colo feria,
e todos meus sentidos suspendia.
Quedei-me e me olvidei,
e o rosto reclinei
sobre o do Amado:
tudo cessou, me dei,
deixando meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.
São João da Cruz
Subscrever:
Mensagens (Atom)